segunda-feira, 29 de setembro de 2008

O HOMEM INVISÍVEL

Ele sai de casa às quatro e meia da manhã todos os dias. Uma hora depois, chega ao seu destino. Veste a sua farda, depois toma um cafezinho para espantar o frio e a fome [como sai muito cedo, não dá tempo de tomar o café da manhã em casa]. Inicia sua jornada de trabalho na portaria, às seis.

Os moradores do prédio começam a sair de seus apartamentos por volta das sete ou sete e meia. Com o seu habitual sorriso, deseja bom dia a todos que passam em seus luxuosos carros, mas somente os que estão com os vidros abaixados podem ouvir, e ainda sim, não respondem. Ele não se importa, pois sabe que está fazendo a sua parte e, no dia que parar de desejar bom dia, será chamado à atenção pelo síndico.

Os outros companheiros de trabalho o acham um tolo, por continuar a desejar bom dia para pessoas que nunca respondem, mas ele insiste dizendo que está fazendo a sua parte.

Carro após carro vai passando pela portaria.

- Bom dia, Dr. Orlando! – diz e acena discretamente.

O Dr. Orlando continua olhando para frente, não responde e mantém as mãos fixas no volante.
“Ele é um advogado muito ocupado, não tem tempo pra prestar atenção em outras coisas. Talvez, não respondeu por isso.” Pensa.

- Bom dia, dona Carla!

A dona Carla não responde e nem olha para ele. Grita com seus filhos que estão fazendo bagunça dentro do carro, e segue em frente.
“Essas crianças não deixam ninguém conversar.” Justifica para si.

- Bom dia, Roberta!

Mas a empregada do 1982 passa pela porta e não lhe dá a menor atenção. E ele fica tentando descobrir o que é que deixa as pessoas assim, pois quase todos os funcionários tendem a agir como seus patrões.

- Tenha um bom dia, dona Silvia! – fala alto e acena, pois dona Silvia está com os vidros fechados.
- Deixa de ser besta, homem! Esse povo nem repara em você. É como se você fosse invisível. – adverte o jardineiro que o observava desejar bom dia a todos que passaram por lá.
- Não. Nada melhor que desejar “bom dia!”. Eles podem até não saber, mas isso realmente melhora o dia deles.
- Sei. Pois, boa sorte, Homem Invisível! – debocha o jardineiro.

E todos os dias em seu trabalho são iguais, deseja os seus “bom dia!” e mesmo sem obter resposta, mantém o sorriso no rosto.


“Ótimo dia trabalho pro senhor, seu Carlos!”; “Boa aula, professor!”; “Até mais e um bom dia, seu Pedro!”; “Boa aula, crianças!”; “Bom dia, Dra. Rita!”; e todos passam sem responder, acenar ou sequer olhar para ele.

Dia após dia a mesma coisa, e os outros funcionários do prédio chamando-o de Homem Invisível, porém, nada disso o incomodava.
Um dia, terminara o seu horário de trabalho e ele se preparava para ir embora, quando, passando pela portaria, cruzou com uma moradora e sua filhinha, desejou-lhes boa noite e seguiu.

- Boa noite, João! – respondeu a menina, sorrindo e acenando para ele.

João parou, olhou mais um pouco para aquela criança e foi embora para casa mais feliz que o habitual. E as pessoas que o viam na rua, ficavam curiosas por ver que aquele homem sorria sem um motivo aparente. E ao perceber que todos olhavam para ele, João sorriu mais ainda e disse:

- Não, eu não sou invisível!

terça-feira, 23 de setembro de 2008

TODOS QUEREM DIZER/OUVIR "EU TE AMO!"

Ele chegou preocupado em sua casa. Não sabe bem ao certo por que falou aquela maldita frase justamente naquele momento. Queria encontrar uma explicação para aquilo, mas não chegava a nenhum argumento plausível. Agora que falou, sabia que iria ter que agüentar as conseqüências.

Em mais de quinze anos de vida sexual ativa, aquela foi a primeira vez que disse “eu te amo!” durante o sexo.

Na verdade, tudo não passou de um impulso. Quando estava próximo ao orgasmo, sentiu uma vontade incontrolável de dizer algo, então, resolver dizer “eu te amo!”. Mas ele sabia que foi um erro terrível, pois esse tinha sido o segundo encontro deles, e a primeira vez que foram para a cama. Com certeza, no dia seguinte ela iria ligar para ele querendo saber por que ainda não tinha ligado para ela. E pior, usando aquela vozinha dengosa de mulher apaixonada. E pior ainda, chamando-o de “mô”! Não, não. Ele não poderia entrar numa dessas, e já sabia o que deveria fazer: Iria deixar o celular desligado por, pelo menos, três dias. Assim, ela iria se cansar de tentar falar com ele. Pronto, resolveu o problema! Sorte ele ser um cara tão esperto.

Se sentiu mais calmo e o sono logo veio.

Enquanto isso, ela, em seu apartamento, apagava o nome dele do seu celular.

- Um homem que diz “eu te amo!” pra uma mulher, na primeira vez que vai pra cama com ela, só pode ser louco! Acho que vou mudar o número do meu celular...

segunda-feira, 8 de setembro de 2008

CAMINHADA

- Vamos continuar?
- Não sei. Às vezes eu penso em parar.
- Não. Não. Essa é a última coisa que devemos fazer. Parar, só quando chegar a hora.
- E se já for a hora?
- Quem disse que é?
- E quem disse que não?
- Bom, eu vou continuar. E se fosse você, faria o mesmo.
- Não sei...
- Vamos lá. Temos que seguir em frente e vamos fugir da Morte.
- Ela não corre atrás da gente. Pelo contrário, ela fica lá na frente esperando. E quando chegamos – ZUM – já era.
- Poxa, você REALMENTE quer ficar, hein?
- É. Já não vejo tantos motivos pra continuar.
- Então, nos despedimos aqui. Tchau!
- ... Ei... Me espera, eu vou.

sábado, 6 de setembro de 2008

D R

- Diz pra mim um defeito meu.
- Hã?!
- Me diz um defeito que eu tenho.
- Ah, ‘cê não tem.
- Claro que tenho! Me diz, vai. Só um.
- Mas meu amor, eu não vejo nenhum defeito em você.
- Oww... Por favor, me diz. Como seria a namorada perfeita pra você?
- Amor, você É perfeita pra mim. Agora vamos prestar atenção, pois já vai começar o segundo tempo.
- Mas eu tenho defeitos, ora!
- Eu não acho.
- Tenho sim!
- Ah, então não precisa que eu lhe fale.
- Claro que precisa! Afinal, eu preciso saber o que em mim incomoda você.
- ‘Cê tem cada uma...
- Sinceridade e transformação são essenciais para um relacionamento duradouro. Me diz só um. Unzinho.
- Não. Não vou comprar briga com você.
- Mas não vamos brigar. Isso chama-se exercitar a sinceridade e aceitação de seus próprios defeitos através de um diálogo claro.
- Não vou falar nada. Não quero brigar nem magoar você. E o jogo já começou.
- Por favor! A gente precisa conversar, sabia?
- Sim, claro. Mas podemos fazer isso depois do jogo.
- Amor... Por favor! Como deve ser a mulher ideal pra você?
- A mulher ideal pra mim tem que ser muda.
- ...